quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O sociólogo francês Gilles Lipovetsky conta como a era do hiperconsumo está transformando nossos conceitos e vontades

Bem-estar é o novo luxo

O sociólogo francês Gilles Lipovetsky conta como a era do hiperconsumo está transformando nossos conceitos e vontades

IZABELA MOI

EDITORA-ASSISTENTE DA ILUSTRÍSSIMA

O sociólogo francês Gilles Lipovetsky, 66, tornou-se popular por escolher o consumo, a moda e o luxo como objetos de estudo. De jeans e sandálias, o autor de "A Felicidade Paradoxal" e "O Império do Efêmero" recebeu a reportagem na cobertura de um prédio na zona sul de São Paulo, onde foi hospedado.

Na cidade para um fórum mundial de turismo, Lipovetsky veio falar sobre o "consumo de experiência".

Abaixo, fala também da obsessão pela saúde e afirma: bem-estar é o novo luxo.

Folha - O que é "consumo de experiência"?

Gilles Lipovetsky - Vai além dos produtos que podem me trazer esse ou aquele conforto, ou me identificar com essa ou aquela classe. As razões para escolher um celular, hoje, vão além das especificações. Queremos ouvir música, tirar fotos, receber e-mails, jogar. Ter vivências, sensações, prazeres. É um consumo emocional.

Então, o que é o luxo, hoje?

O luxo, apesar de ainda existir na forma tradicional, também está mudando.

Quando buscamos um hotel de luxo hoje, não queremos torneiras de ouro, lustres. O luxo está nas experiências de bem-estar que o lugar pode oferecer. Spa, sala de ginástica, serviço de massagem. O bem-estar é o novo luxo.

Como consumir bem-estar?

Nos anos 60 e 70, quando o consumo de massa possibilitou que famílias de classe média se equipassem com produtos, o bem-estar ainda era medido em termos de quantidade. Hoje, o que está na cabeça das pessoas é o bem-estar qualitativo: a tal qualidade de vida. O que inclui a qualidade estética.

Qual a relação entre busca de bem-estar e uma sociedade mais e mais "medicalizada"?

A obsessão com a saúde e a prevenção é o lado obscuro do hiperconsumismo, gerador de ansiedade quase higienista. A quantidade de informação disponível torna o consumo complicado. Na alimentação, os consumidores estão ávidos pela leitura dos rótulos: quais são os ingredientes, de onde vêm, podem causar câncer, engordar? Há 40 anos, íamos ao médico uma vez por ano, se muito.

Hoje, um indivíduo faz até dez consultas por ano. O consumo de exames, para nos fazer sentir "seguros", cresce exponencialmente. Sintoma do hiperconsumismo: queremos comprar nossa saúde.

Como vê as campanhas contra o cigarro e a obesidade?

O hiperconsumidor está preso num emaranhado de informações e ele tem muitas regras a seguir. Parar de fumar faz parte da lógica da prevenção. É um sacrifício do presente em prol do futuro.

No hiperindividualismo, a gestão do corpo é central. Esse autogerenciamento permanente explica, também, a onda do emagrecimento.

Expor-se ao sol é arriscado, mas é considerado bonito ter a pele bronzeada. Privar-se de comer é privar-se do prazer. É um paradoxo que todos vivem e, por isso, no caso dessas mulheres subjugadas ao terrorismo da magreza, elas sentem culpa. As regras são contraditórias.

Qual é a saída para toda essa ansiedade?

As compras. Antes as pessoas iam à missa, agora elas vão ao shopping center.

Comprar, ir ao shopping, viajar -são as terapias modernas para depressão, tristeza, solidão. Você pode comprar "terapias de desenvolvimento pessoal". Um fim de semana zen, um pacote de massagens. Todas as esferas de vida estão subjugadas à lógica do mercado.

Por que as pessoas não se sentem felizes?

O hiperindividualismo aparece quando nossa sociedade nega as instituições da coletividade. A religião, a comunidade, a política. Os deuses são os homens. O indivíduo é um agente autônomo que deve gerenciar a própria existência. Esse indivíduo pode fazer escolhas privadas -que profissão fazer, com quem se casar, o que comprar- mas está submetido às regras da globalização econômica de eficácia, de produtividade, juventude, consumo. O acesso ao conforto material, enquanto sociedade, não nos aproximou da felicidade. Há tanta ansiedade, tanto estresse, tanta angústia e tanto medo que a abundância não consegue proporcionar um sentimento de completude.

Consumimos para esquecer?

Também. Mas há um outro lado. Desenvolvemos o que eu chamei de "don juanismo" [ele cita o personagem "Don Juan", da ópera de Mozart, que "conheceu" 1.003 mulheres]. Todos nos transformamos em Dons Juans.

Somos todos colecionadores de experiências. Temos medo que a vida passe ao largo.

Existe um senso comum que nos diz que se não tivermos vivido tal ou tal experiência, teremos perdido nossa vida.

É uma luta contra o tédio, uma busca incansável e viciada pela novidade, pela fuga da rotina.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A sorte e o azar

Sexta-feira da Paixão, a menininha acordou, cheia de alegria, foi pra janela do barraco e meteu os peitos no último pagodão romântico, composto pela dupla Depardiê Belmondô e Marlon Bochecha (1).
A mãe, assustada, gritou:
- Pára com isso, Tardiosa! Neste dia só se canta música sacra, menina! – E como a menina não ligasse, a mãe sentenciou: - Deus castiga quem canta o que você está cantando, você vai ver só! Pára com isso!
Pois nesse exato momento aí, ia passando pela frente do barraco Maurice Gerard, diretor do Olimpiá (2):
- Que voz, menina!
E a menina, delicadíssima, respondeu:
- Percebo que messiê não sabe bem português; vós não sinhô, pode me tratar de você!
Gerard corrigiu:
- Sei português muito bem, estou falando mesmo de tua voz magnífica, e vou te contratar pra cantar no Olimpiá! (3) Toma aqui dez mil dólares por conta e entra aí em meu Porsch, que vou passar um fax pra Paris, enquanto você assina o contrato prum circuito de um ano na Europa, França e Bahia.
A menina assinou o contrato, contentíssima. E a mãe, que já tinha aprovado, assinou como testemunha. A menina, antes de entrar no carrão, saiu saltitante, já cantando em francês, não viu o buraco, caiu e ficou gemendo de dor, com o pé torcido, talvez quebrado.
- Viu? – disse a mãe – Eu não falei que cantar música profana na Sexta-feira da Paixão, Deus castiga?
MORAL: Todo vaticínio é relativo ou Botar a boca no mundo é perigoso.

1 - A influência estrangeira na MPB continua cada vez maior. Apesar dos nomes, ambos os compositores são negros.
2 - Aquele mesmo que convidou pra cantar lá a cigarra, da Cigarra e a Formiga, só pra desmoralizar La Fontaine.
3 - Ou ela, ou eu, alguém está copiando a vida da Piaf - em preto e branco.

Fonte: Millôr Fernandes

Brasil, meu Brasil brasileiro!

Pô, também não devemos só falar mal! Pois ainda somos melhor em muita coisa:

1. Nenhum brasileiro convoca os amigos para apedrejar a própria mulher porque ela o passou para trás.
2. Nenhum jornal brasileiro gasta páginas e páginas com esportes idiotas como o beisebol.
3. Só brasileiro muito pobre vai de bicicleta pro trabalho.
4. Cremação, no Brasil, geralmente só acontece com o sujeito depois de morto.
5. Mesmo os políticos são usados até o fim e não envenenados.
6. Vaca sagrada no Brasil é só uma maneira de dizer, embora muitas vezes atrapalhe o tráfego.
7. Quando um ministro fala demais ninguém nos impede de desligá-lo (na TV).
8. Brasileiro não é muito chegado a coisas violentas, como touradas. O Brasil também não dá grandes lutadores de boxe. Nosso machismo conhece suas limitações.
9. Os trens podem não chegar na hora, mas chegam no dia.
10. O tamanho e o desenho do país não tem mudado muito, nos últimos 100 anos.

Fonte: Site do Millôr - http://www2.uol.com.br/millor/aberto/dailymillor/010/026.htm

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Além do bem e do mal - Capítulo II - O espírito livre - Parágrafo 26

26. Todo homem seleto procura seu castelo para se distanciar da multidão, para se esquecer da regra “homem” enquanto se vê como exceção, exceto quando é impelido à regra pelo instinto do homem do conhecimento. Aquele que não se enrubesce ao percorrer as aflições, nojo, compaixão, isolamento e tristeza no trato com os homens não tem gosto elevado; se ele não assume voluntariamente esse fardo e desgosto, esquivando-se em seu castelo, não foi feito para o conhecimento. Se fosse, deveria dizer “ao diabo com o bom gosto! A regra é mais interessante que eu, a exceção”. O estudo do homem médio, sério e prolongado, exige dissimulação, familiaridade, má companhia: é parte necessária no currículo do filósofo, a mais desagradável e rica em decepções. Mas se ele tem sorte, depara com facilitadores de sua tarefa: os cínicos, que reconhecem em si o animal, o vulgar e a “regra”, mas possuem espiritualidade que os obrigam a falar de si e dos seus iguais aos outros ou em livros. Almas vulgares se aproximam da honestidade unicamente pelo cinismo, e o homem superior deverá ter ouvidos atentos para todo cinismo dos bufões sem pudor e sátiros da ciência. Em alguns casos o fascínio se mistura ao nojo: quando o gênio é associado a um desses macacos indiscretos, como o Galiani, o mais profundo, penetrante e sujo homem do século. Ainda ocorre que uma cabeça científica, uma inteligência, se encontre em um corpo de símio, numa alma vulgar – como os médicos e fisiólogos da moral. Deve-se ter ouvidos para quem fala do homem, inofensivamente e sem indignação, como uma barriga de duas necessidades e uma cabeça de uma – fome, desejo sexual e vaidade, únicos móveis das ações humanas. O homem indignado, que dilacera a si, a deus e a sociedade pode ser moralmente superior ao sátiro, mas é o caso mais comum e menos instrutivo, e ninguém mente mais que um indignado.