A nossa política
educacional baseia-se em duas enormes falácias. A primeira é a que
considera o intelecto como uma caixa habitada por ideias autónomas,
cujos números podem aumentar-se pelo simples processo de abrir a tampa
da caixa e introduzir-lhes novas ideias. A segunda falácia, é que, todas
as mentes são semelhantes e podem lucrar como o mesmo sistema de
ensino. Todos os sistemas oficiais de educação são sistemas para bombear
os mesmos conhecimentos pelos mesmos métodos, para dentro de mentes
radicalmente diferentes.
Sendo as mentes organismos vivos e não caixotes do lixo,
irremediavelmente dissimilares e não uniformes, os sistemas oficiais de
educação não são como seria de esperar, particularmente afortunados. Que
as esperanças dos educadores ardorosos da época democrática cheguem
alguma vez a ser cumpridas parece extremamente duvidoso. Os grandes
homens não podem fazer-se por encomenda por qualquer método de ensino
por mais perfeito que seja.O máximo que podemos esperar fazer é
ensinar todo o indivíduo a atingir todas as suas potencialidades e
tornar-se completamente ele próprio. Mas o eu de um indivíduo será o eu
de Shakespeare, o eu de outro será o eu de Flecknoe. Os sistemas de
educação prevalecentes não só falham em tornar Flecknoes em Shakespeares
(nenhum método de educação fará isso alguma vez); falham em fazer dos
Flecknoes o melhor. A Flecknoe não é dada sequer uma oportunidade para
se tornar ele próprio. Congenitamente um sub-homem, ele está condenado
pela educação a passar a sua vida como um sub-sub-homem.
Aldous Huxley, in "Sobre a Democracia e Outros Estudos"
Se possuísse uma canoa e um
papagaio, podia considerar-me realmente como um Robinson Crusoé,
desamparado na sua ilha. Há, é verdade, em roda de mim uns quatro ou
cinco milhões de seres humanos. Mas, que é isso? As pessoas que nos não
interessam e que se não interessam por nós, são apenas uma outra forma
da paisagem, um mero arvoredo um pouco mais agitado. São,
verdadeiramente como as ondas do mar, que crescem e morrem, sem que se
tornem diferenciáveis uma das outras, sem que nenhuma atraia mais
particularmente a nossa simpatia enquanto rola, sem que nenhuma, ao
desaparecer, nos deixe uma mais especial recordação. Ora estas ondas,
com o seu tumulto, não faltavam decerto em torno do rochedo de Robinson -
e ele continua a ser, nos colégios e conventos, o modelo lamentável e
clássico da solidão.
Eça de Queirós, in 'Correspondência'
Que todos os homens são
iguais é uma proposição à qual, em tempos normais, nenhum ser humano
sensato deu, alguma vez, o seu assentimento. Um homem que tem de se
submeter a uma operação perigosa não age sob a presunção de que tão bom é
um médico como outro qualquer. Os editores não imprimem todas as obras
que lhes chegam às mãos. E quando são precisos funcionários públicos,
até os governos mais democráticos fazem uma selecção cuidadosa entre os
seus súbditos teoricamente iguais.
Em tempos normais, portanto, estamos perfeitamente certos de que os
Homens não são iguais. Mas quando, num país democrático, pensamos ou
agimos politicamente, não estamos menos certos de que os Homens são
iguais. Ou, pelo menos - o que na prática vem ser a mesma coisa -
procedemos como se estivéssemos certos da igualdade dos Homens.
Identicamente, o piedoso fidalgo medieval que, na igreja acreditava em
perdoar aos inimigos e oferecer a outra face, estava pronto, logo que
mergia novamente à luz do dia, a desembainhar a sua espada à mínima
provocação. A mente humana tem uma capacidade quase infinita para ser
inconsistente.
Aldous Huxley, in "Sobre a Democracia e Outros Estudos"