Ondas de Solidão
Se possuísse uma canoa e um
papagaio, podia considerar-me realmente como um Robinson Crusoé,
desamparado na sua ilha. Há, é verdade, em roda de mim uns quatro ou
cinco milhões de seres humanos. Mas, que é isso? As pessoas que nos não
interessam e que se não interessam por nós, são apenas uma outra forma
da paisagem, um mero arvoredo um pouco mais agitado. São,
verdadeiramente como as ondas do mar, que crescem e morrem, sem que se
tornem diferenciáveis uma das outras, sem que nenhuma atraia mais
particularmente a nossa simpatia enquanto rola, sem que nenhuma, ao
desaparecer, nos deixe uma mais especial recordação. Ora estas ondas,
com o seu tumulto, não faltavam decerto em torno do rochedo de Robinson -
e ele continua a ser, nos colégios e conventos, o modelo lamentável e
clássico da solidão.
Eça de Queirós, in 'Correspondência'
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