A Coragem de Seres Só
Uma arma de triunfo te dei,
sobre todas as outras: a coragem de seres só; deixou de te afectar como
argumento ou força esmagadora a alheia opinião, as ligeiras correntes e
os redemoinhos do mar; rocha pequena, mas segura, sobre ti se hão-de
erguer, para que vençam a noite, as luzes salvadoras; não te prendem os
louvores dos que te querem aliado, nem as ameaças dos contrários;
traçaste a tua rota e hás-de segui-la até ao fim, sem que te desviem as
variadas pressões. Só e constante, mesmo em face do tempo; os anos que
rolam tu os consideras elemento de experiência; para os homens futuros
episódios sem valor; se eles te abaterem, só terão abatido o que há de
menos valioso; e contribuirão para que melhor se afirme o que puseste
como lição da tua vida; a muitos absorve o actual; mas a ti, que tens
como tua grande linha de cultura, e porventura tua alma, a posse das
largas perspectivas, a hora começando te vê firme e firme te abandona.
Nenhuma estóica rigidez neste teu porte; antes a compassada lentidão, a
facilidade maleável de bom ginasta; não é por amor da Humanidade que
hás-de perder as mais fundas qualidades de homem. Em tal espelho me
revejo, eu que tomei tua alma incerta e a guiei; e contemplo como doce
oferenda, como a mais bela visão que me poderias conceder, a clara manhã
que já de ti desponta e lentamente progredindo há-de acabar por embalar
o universo nos seus braços de luz.
Agostinho da Silva, in 'Considerações'
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