A Moral entre a Verdade a Subjetividade
Um homem que busca a
verdade torna-se sábio; um homem que pretende dar rédea solta à sua
subjectividade torna-se, talvez, escritor; e que fará um homem que busca
algo que se situa entre essas duas hipóteses? Mas tais exemplos, os de
algo que está «entre», encontramo-los em qualquer sentença moral, a
começar pela mais simples e mais conhecida: «não matarás». Vê-se
imediatamente que não é nem uma verdade nem uma experiência subjectiva.
Sabe-se que, em muitos aspectos, nos conformamos estritamente a ela, mas
que, por outro lado, se aceitam numerosas excepções, ainda que
perfeitamente delimitadas; no entanto, num grande número de casos de um
terceiro tipo - por exemplo na imaginação, na esfera dos desejos, nas
peças de teatro ou no prazer que experimentamos ao ler as notícias dos
jornais - deixamo-nos oscilar descontroladamente entre a aversão e a
atracção.Por vezes aquilo a que não podemos chamar nem verdade
nem experiência pessoal recebe o nome de imperativo. Tais imperativos
foram associados aos dogmas da religião ou da lei, concedendo-lhes assim
o carácter de uma verdade derivada, mas os romancistas narram as
excepções, a começar pelo sacrifício de Abraão e terminando na bela
mulher jovem que matou o amante a tiro, e dissolvem tudo isso de novo em
subjectividade. Assim, ou nos agarramos a um qualquer mastro, ou nos
deixamos andar ao sabor das ondas - mas com que sentimentos? O
sentimento da maior parte das pessoas em relação a este preceito é um
misto entre a obediência cega (incluindo a «tendência natural» dos que
nem querem pensar numa coisa dessas, mas que, minimamente desviados do
seu lugar pelo álcool ou pela paixão, o fazem sem hesitações) e o
esbracejar inconsciente numa onda cheia de possibilidades. Não haverá
mesmo outra maneira de entender aquela sentença moral?
Robert Musil, in 'O Homem sem Qualidades'
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