sábado, 13 de julho de 2019

Aforismos modernos de 2017


Fui procurar essa postagem de 2015, onde meu amigo Johann Freire fazia, naquela época, uma "revisita" a um post feito por ele em 2012. Vou revisitar a revisita dele e atentar para a terceira excrescência. É a maneira mais simples de se reconciliar com o real, em especial ao tratar de alguns fatos recentes como o rebuliço de Charlottesville.

"Duas excrescências do mundo moderno com as quais ainda não consigo -- e receio jamais conseguir -- conviver pacificamente: café descafeinado e pizza doce. A civilização começou com a destilação, sentenciou Faulkner; e terminou no exato momento em que tiraram a cafeína do café e puseram doce na pizza, sentencio eu.'

Agora, assistindo a um debate na tevê em que o apresentador parecia bastante surpreso com o fato de ainda existir racismo no Brasil em pleno ano de 2015, uma terceira excrescência me veio à cabeça: a ideia de que a humanidade melhora à medida que o tempo passa. Como se a cada ano subíssemos um degrau na escala do aperfeiçoamento coletivo. Não é bem assim com a humanidade em geral e suspeito que tampouco seja assim com você em particular.

Eu mesmo, relendo minhas postagens de três, quatro anos atrás, lembro que nessa época era um sujeitinho muito melhor do que sou hoje. Voltando ainda mais na linha do tempo, em comparação com isso que me transformei, aos doze anos eu beirava a santidade; aos cinco era um semideus."

Johann Freire

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Apotegmas do Vil Metal 2 - Millôr Fernandes

Vi o milionário saltar da limusine, caminhar tranquilamente para dobrar a esquina e penetrar na mansão onde mora. Antes de dobrar, exatamente na dobra da esquina, e nas dobras da noite, lhe saiu um trintoitão na cara acompanhado da voz surda de um sujeito que ele mal viu por trás de galhos: "Passa tudo e não chia!"

Homem do mundo, acostumado aos azares e venturas da economia da vida, o rico banqueiro não se deixa assustar. Apenas aconselha: "Calma, amigo. Passo tudo e não chio, que não sou besta. E vou te dizer uma coisa, reconheço o teu valor - você faz o que pode para conseguir o que precisa.

Como me assalta deve saber quem sou, um banqueiro, um capitalista. Mas, curiosamente, não sabe quem é, pois aceita o vergonhoso epíteto de assaltante. E, no entanto, você é um capitalista igualzinho a mim. Só que, até agora, conseguiu capital apenas pra se estabelecer com um trinta e oito. Boa noite. Posso ir?

Apotegmas do Vil Metal - Millôr Fernandes

Aumenta o mínimo, não aumenta o mínimo, o Congresso vota, o Presidente veta, o certo é que ninguém me consulta, a mim que, como o leitor não ignora ou ignora, o que dá no mesmo, tenho sempre as ideias mais geniais à mão e jamais deixei que uma câmara me subisse à cabeça.

Pois aqui vai a evidente evidência: a maneira mais simples de resolver o problema do salário mínimo é transformá-lo em mínimo mesmo. Cientificamente. Um mínimo absoluto, congelando-o em R$000,00. Com essa quantia o trabalhador poderá sempre: Respirar todo o ar que achar fundamental à sua sobrevivência ou lazer.


Exercer suas virtudes humanísticas, doando boa parte, talvez mesmo metade, do que ganha, a pessoas mais necessitadas que ainda não chegaram ao mínimo absoluto, sem diminuir em nada o que destina à sua família. Poderá arriscar na bolsa tudo que ganha e continuar com o mesmo caso um Nagi Nahas puxe o tapete pela banda podre. Eliminar de vez o vício do consumo pelo consumo, pois jamais conseguirá gastar tudo do nada que não ganha. Sentir o alívio de estar totalmente isento do Imposto de Renda.
 
 

quinta-feira, 17 de abril de 2014

As coisas que chamamos de amor

“Cobiça e amor: que sentimentos diversos evocam essas duas palavras em nós! – e poderia, no entanto, ser o mesmo impulso que recebe dois nomes; uma vez difamado do ponto de vista dos que já possuem, nos quais ele alcançou alguma calma e que temem por sua ‘posse’; a outra vez do ponto de vista dos insatisfeitos, sedentos, e por isso glorificado como ‘bom’.

Nosso amor ao próximo – não é ele uma ânsia por nova propriedade? E igualmente o nosso amor ao saber, à verdade, e toda ânsia por novidades?
Pouco a pouco nos enfadamos do que é velho, do que possuímos seguramente, e voltamos a estender os braços; ainda a mais bela paisagem não estará certa do nosso amor, após passarmos três meses nela, e algum litoral longínquo despertará nossa cobiça: em geral, as posses são diminuídas pela posse. Nosso prazer conosco procura se manter transformando algo novo em nós mesmos – precisamente a isto chamamos possuir.

Enfadar-se de uma posse é enfadar-se de si mesmo.
(Pode-se também sofrer da demasia – também o desejo de jogar fora, de distribuir; pode ter o honrado nome de “amor”.)

Quando vemos alguém sofrer, aproveitamos com gosto a oportunidade que nos é oferecida para tomar posse desse alguém; é o que faz o homem benfazejo e compassivo, que também chama de “amor” ao desejo de uma nova posse que nele é avivado, e que nela tem prazer semelhante ao de uma nova conquista iminente.
Mas é o amor sexual que se revela mais claramente como ânsia de propriedade: o amante quer a posse incondicional tanto sobre sua alma como sobre seu corpo, quer ser amado unicamente, habitando e dominando a outra alma como algo supremo e absolutamente desejável.

Se considerarmos que isso não é outra coisa senão excluir todo o mundo de um precioso bem, de uma felicidade e fruição; se considerarmos que o amante visa o empobrecimento e privação de todos os demais competidores e quer tornar-se o dragão de seu tesouro, sendo o mais implacável e egoísta dos ‘conquistadores’ e exploradores; se considerarmos, por fim, que para o amante todo o resto do mundo parece indiferente, pálido, sem valor; e que ele se acha disposto a fazer qualquer sacrifício, a transtornar qualquer ordem, a relegar qualquer interesse: então nos admiraremos de que esta selvagem cobiça e injustiça do amor sexual tenha sido glorificada e divinizada a tal ponto, em todas as épocas, que desse amor foi extraída a noção de amor como o oposto do egoísmo, quando é talvez a mais direta expressão do egoísmo.

Nisso, evidentemente, o uso lingüístico foi determinado pelos que não possuíam e desejavam – os quais sempre foram em maior número, provavelmente. Aqueles que nesse campo tiveram posses e satisfação bastante deixaram escapar, aqui e ali, uma palavra sobre o ‘demônio furioso’, como fez o mais adorável e benquisto dos atenienses, Sófocles: mas Eros sempre riu desses blasfemos – eram, invariavelmente, os seus grandes favoritos.

- Bem que existe no mundo, aqui e ali, uma espécie de continuação do amor, na qual a cobiçosa ânsia que duas pessoas têm uma pela outra deu lugar a um novo desejo e cobiça, a uma elevada sede conjunta de um ideal acima delas: Mas quem conhece tal amor? Quem o experimentou? Seu verdadeiro nome é amizade.”

F. Nietzsche, em A Gaia Ciência.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Cosmos - Cachorros

(...) Mas eles viviam temendo outras criaturas famintas, os leões da montanha e ursos que competiam pela mesma presa, os lobos, que ameaçavam levar e devorar os mais vulneráveis entre eles. Todos os lobos queriam o osso, mas a maioria deles tinha medo de se aproximar. Esse medo se devia a altos níveis de hormônios do estresse no sangue deles. É uma questão de sobrevivência. Aproximar-se muito de humanos poderia ser fatal. Mas alguns lobos, devido a variações naturais, possuíam níveis mais baixos desses hormônios. Isso os tornava menos temerosos a humanos. Esse lobo descobriu o que uma linha de seus antepassados descobriu há 15 mil anos. Uma excelente estratégia de sobrevivência: a domesticação de humanos. Deixe que os humanos cacem, não os ameace, e deixarão que você coma o resto da comida. Você comerá mais regularmente, deixará mais descendentes e esses descendentes herdarão sua disposição. Essa seleção de domesticidade será reforçada a casa geração, até que aquela linha de lobos selvagens se tornem... cachorros. Talvez chamem de "sobrevivência dos mais amigáveis". Desde aquela época, esse foi um bom acordo para os humanos também. Os cães que comiam os restos não eram somente um esquadrão sanitário. Eram também a segurança. À medida que essa parceria entre espécies continuava, os cães também apresentaram mudanças. A beleza tornou-se uma vantagem seletiva. Quanto mais adorável, maiores suas chances de viver e passar seus genes para outra geração. O que começou como uma aliança conveniente tornou-se uma amizade que aumentou ao longo do tempo."

Texto retirado da Série "Cosmos", apresentada na FOX.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Millôr e as Leis

Taí, vigente a tal de lei que faltando imaginação chama de Lei Seca. O que, também copiando os Estados Unidos, os burocratas do legislativo-jucidiário a chamam de Tolerância Zero. Mais propriamente Intolerância 100. A Lei é estúpida como são todas, desde que se inventaram as leis. E, em nome de punir alguns malfeitores não punem e acabam com a liberdade de todos. Mas não quero discutir isso (as estatísticas provam logo no dia seguinte que os acidentes diminuíram 73%, os atropelamentos 66% e os adultérios 98%). E as pessoas continuam se afogando em rios que têm em média 50 cms de profundidade.

E a inflação atingiu o pobre do guarda, já já vai passsar a cobrar 200 pratas pra não ver nada ou não ver coisa alguma. Ou a nova lei vai proibir também a natureza humana? É humana, pois não?Quero apenas comentar, aqui e agora, a idéia, propagada pelos pessimistas de plantão que essa é mais uma lei que não vai pegar. E eu, otimista de tocaia, pergunto: "E alguma vez, em algum lugar, alguma lei pegou?". Tá bem, pode ser que eu esteja exagerando, mas fiquemos só no chamado Decálogo, ditado pelo Todo Poderoso Jeová, a seu profeta Moisés.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Professor Clóvis sobre Nietzsche e Che Guevara

"Então perceba: Nietzsche não é Che Guevara. Por que eu tô dizendo isso? Porque não faltam imbecis que relacionam intimamente os dois. Eu mesmo conheci um cidadão que tinha a foto dos dois no quarto. Ora, é uma demência conceitual. Che Guevara é um exemplo de idealista, idealista que quer fazer da América Latina o que a América Latina não é. Ora, Nietzsche é o anti-idealista por excelência e preconiza o amor pelo mundo como ele é, razão pela qual Nietzsche e Che Guevara não trocariam um único "saludo". Nada, nada. Eles não se bicariam em hipótese alguma. Eu sei que ficou na moda, sabe? Fotografia, coisa e tal, cabeludo, barburdo... ficou na moda o Nietzsche e ficou na moda o Che Guevara. E você? Você compra o que vem. Mas não seja zé ruela. São coisas incompatíveis. Por que Che Guevara é um lider revolucionário de transformação do mundo e Nietzsche tem o conceito de Amor-fati que é tudo menos isso, é o amor pelo mundo como ele é."

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Professor Clóvis e a carnificina da vida

"Portanto é possível lutar pela vida, percebendo que a morte está na vida, toda vez que o mundo te agride, te lesiona, te danifica, te decompõe, como uma rabada estragada. A hora que você entende que a morte esta na vida e que tem a ver com a tristeza, certamente você vai vender mais caro os instantes tristes. A gente se acostuma muito em se entristecer. De certa maneira a gente baixa a guarda pro mundo entristecedor muito fácil, por que acha que logo uma alegria virá e tá tudo certo. Não tá não. Uma tristeza vivida é irrecuperável, esta petrificada na eternidade. Potência perdida é irrecuperável. Uma nova alegria é uma nova alegria. Mas a tristeza experimentada produziu em você danos irreversíveis como todos os efeitos que o mundo produz sobre você. Quando você vê uma pessoa num caixão, num velório, o que você vê ali é o que sobrou de um conjunto interminável de momentos em que o mundo entristeceu. Aquilo é uma trajetória ininterrupta de tristezas concentradas e condensadas em um instante cadavérico. É a vitória definitiva do desencontro com o mundo, do desamor, da tristeza. É a vitória definitiva de um mundo que mais lesionou do que alegrou. Vitória inexorável, necessária, triunfo estatístico do mal sobre o bem. Assimetria do mal e o bem. Por que a gente já falou: numa vida em que um orgasmo dura 4 ou 5 segundos e uma enxaqueca 4 ou 5 horas, você deve imaginar que tipo de luta você tá lutando. Uma luta em que a chance de perder é de 100%. A assimetria entre o bem e o mal tem como placar final cemitérios. A assimetria entre o bem e o mal é a reveladora de que a probabilidade do mundo te entristecer e te apequenar é infinitamente maior do que a probabilidade de produzir o efeito contrário. E você dirá: o seu objetivo nessa manhã foi de fuder a vida? Não, pelo contrário. Foi mostrar pra você que quando alguma coisa te alegra essa alegria não pode ser tratada como se não tivesse importância. Quando alguém ou alguma coisa te alegra você tem que humildemente agradecer. Agradecer porque a alegria quando o mundo proporciona ela é rara. Ela é bem precioso. Só pode ser objeto do seu mais sincero amor. Quando alguém sistematicamente te alegra, esse alguém é um bem do qual você não pode prescindir. Por que a chance do mundo te entristecer é imensa. Portanto quem passa a vida alegrando os outros é de fato um antídoto raro e precioso contra a carnificina da vida. A gente só pode mesmo amar aqueles que tem o dom de, por um instante mínimo que seja, produzir em nós um ganho de potência e de perfeição." 

Extraído da aula: A dinâmica dos afetos. Link abaixo.

https://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&list=UUYKyqGnlXQc-wm692ehAeXA&v=HwTcwVgc5lk