segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Além do bem e do mal - Capítulo II - O espírito livre - Parágrafo 26

26. Todo homem seleto procura seu castelo para se distanciar da multidão, para se esquecer da regra “homem” enquanto se vê como exceção, exceto quando é impelido à regra pelo instinto do homem do conhecimento. Aquele que não se enrubesce ao percorrer as aflições, nojo, compaixão, isolamento e tristeza no trato com os homens não tem gosto elevado; se ele não assume voluntariamente esse fardo e desgosto, esquivando-se em seu castelo, não foi feito para o conhecimento. Se fosse, deveria dizer “ao diabo com o bom gosto! A regra é mais interessante que eu, a exceção”. O estudo do homem médio, sério e prolongado, exige dissimulação, familiaridade, má companhia: é parte necessária no currículo do filósofo, a mais desagradável e rica em decepções. Mas se ele tem sorte, depara com facilitadores de sua tarefa: os cínicos, que reconhecem em si o animal, o vulgar e a “regra”, mas possuem espiritualidade que os obrigam a falar de si e dos seus iguais aos outros ou em livros. Almas vulgares se aproximam da honestidade unicamente pelo cinismo, e o homem superior deverá ter ouvidos atentos para todo cinismo dos bufões sem pudor e sátiros da ciência. Em alguns casos o fascínio se mistura ao nojo: quando o gênio é associado a um desses macacos indiscretos, como o Galiani, o mais profundo, penetrante e sujo homem do século. Ainda ocorre que uma cabeça científica, uma inteligência, se encontre em um corpo de símio, numa alma vulgar – como os médicos e fisiólogos da moral. Deve-se ter ouvidos para quem fala do homem, inofensivamente e sem indignação, como uma barriga de duas necessidades e uma cabeça de uma – fome, desejo sexual e vaidade, únicos móveis das ações humanas. O homem indignado, que dilacera a si, a deus e a sociedade pode ser moralmente superior ao sátiro, mas é o caso mais comum e menos instrutivo, e ninguém mente mais que um indignado.

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