quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A sorte e o azar

Sexta-feira da Paixão, a menininha acordou, cheia de alegria, foi pra janela do barraco e meteu os peitos no último pagodão romântico, composto pela dupla Depardiê Belmondô e Marlon Bochecha (1).
A mãe, assustada, gritou:
- Pára com isso, Tardiosa! Neste dia só se canta música sacra, menina! – E como a menina não ligasse, a mãe sentenciou: - Deus castiga quem canta o que você está cantando, você vai ver só! Pára com isso!
Pois nesse exato momento aí, ia passando pela frente do barraco Maurice Gerard, diretor do Olimpiá (2):
- Que voz, menina!
E a menina, delicadíssima, respondeu:
- Percebo que messiê não sabe bem português; vós não sinhô, pode me tratar de você!
Gerard corrigiu:
- Sei português muito bem, estou falando mesmo de tua voz magnífica, e vou te contratar pra cantar no Olimpiá! (3) Toma aqui dez mil dólares por conta e entra aí em meu Porsch, que vou passar um fax pra Paris, enquanto você assina o contrato prum circuito de um ano na Europa, França e Bahia.
A menina assinou o contrato, contentíssima. E a mãe, que já tinha aprovado, assinou como testemunha. A menina, antes de entrar no carrão, saiu saltitante, já cantando em francês, não viu o buraco, caiu e ficou gemendo de dor, com o pé torcido, talvez quebrado.
- Viu? – disse a mãe – Eu não falei que cantar música profana na Sexta-feira da Paixão, Deus castiga?
MORAL: Todo vaticínio é relativo ou Botar a boca no mundo é perigoso.

1 - A influência estrangeira na MPB continua cada vez maior. Apesar dos nomes, ambos os compositores são negros.
2 - Aquele mesmo que convidou pra cantar lá a cigarra, da Cigarra e a Formiga, só pra desmoralizar La Fontaine.
3 - Ou ela, ou eu, alguém está copiando a vida da Piaf - em preto e branco.

Fonte: Millôr Fernandes

Nenhum comentário:

Postar um comentário