sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Além do bem e do mal - Capítulo primeiro - Dos preconceitos filosóficos - Par. 30

É inevitável - e justo - que nossas mais altas intuições pareçam bobagens, em algumas circunstâncias delitos, quando chegam indevidamente aos ouvidos daqueles que não são feitos e predestinados para elas. O exotérico e o esotérico, como os filósofos distinguiam em outro tempo, entre os indianos e também os gregos, entre os persas e os muçulmanos, em toda parte onde se acreditava em hierarquia, e não em igualdade e direitos iguais, - não se diferenciam tanto pelo fato de que o exotérico fica de fora e vê, estima, mede, julga a partir de fora, não de dentro: o essencial é que ele vê as coisas a partir de baixo, - e o esotérico, a partir de cima! Existem alturas da alma, de onde mesmo a tragédia deixa de ser trágica; e, se as dores do mundo fossem juntadas numa só, quem poderia ousar dizer que a visão dela nos iria necessariamente seduzir e obrigar à compaixão, e desse modo à duplicação da dor?... O que serve de alimento ou de bálsamo para o tipo superior de homem, deve ser quase veneno para um tipo bem diverso e menor. As virtudes de um homem vulgar talvez significassem fraqueza e vício num filósofo; é possível que um homem de alta linhagem, acontecendo ele degenerar e sucumbir, só então adquirisse as qualidades que o levariam a ser venerado como um santo, no mundo inferior a que teria descido. Há livros que têm valor inverso para a alma e a saúde, a depender de quem os utiliza, se uma alma ignóbil, uma baixa força vital, ou uma superior e mais potente; no primeiro caso são livros perigosos, desagregadores, dissolventes, no outro são gritos de arauto, que incitam os mais valentes a mostrar o seu valor. Livros de todo mundo sempre são livros malcheirosos: o odor da gente pequena adere a eles. Ali onde o povo come e bebe, o mesmo onde venera, o ar costuma feder. Não se deve frequentar igrejas, quando se deseja respirar ar puro.

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