Poucos artistas mantêm uma postura crítica diante dos abusos políticos dos quais sofre o brasileiro. Nesse universo, Tico Santa Cruz é a exceção, pois tem coragem de colocar
a cara para bater com argumento inteligente, entendendo o quanto que
nosso Brasil poderia ser melhor. Tico Santa Cruz é o
vocalista da banda
Detonautas Roque Clube, uma banda de rock de verdade, que está na
estrada há mais de uma década nos brindando com música de ótima
qualidade. Leia a entrevista abaixo:
Novitas – Tico, a indústria musical de hoje, prefere o estilo fast
food de música de fácil assimilação e que, principalmente, não
acrescentam nada para quem ouve, sendo mais importante a aparência que a
letra em si. Esse tipo de postura é pautado pela indústria musical ou
pelo público que não se importa mais tanto com a qualidade musical?
Tico Santa Cruz – Podemos dizer que o comércio em geral é pautado
pela política do consumo rápido e fácil. O ensino também se tornou “Fast
Food” com escolas e universidades que pouco se importam com a formações
dos jovens. Com a velocidade da informação e da produção de produtos em
todos os setores, quem é que quer perder tempo com algo que precise de
uma atenção mais concentrada? Quem quer se aprofundar e deixar de
acompanhar as novidades que surgem a cada segundo? O que me assusta, com
relação aos artistas, é que se antes existia um comprometimento com o
que se produzia para poder vender, hoje se vende de qualquer maneira.
Números, seguidores, curtições nas redes sociais são o que importa, o
conteúdo ficou num plano qualquer.
Novitas – Banalização musical é um bom termo para qualificar a irrelevância de nosso cenário hoje em dia?
Tico Santa Cruz – Glamourização do nada. É cultuar qualquer coisa que
se destaque sem se importar com o que esta sendo disseminado. Basta
oferecer alguma pauta para sites e revistas de futricos e já se torna o
suficiente para arrebanhar admiradores. Quanto mais coisa inútil ocupar
os espaços nas vidas das pessoas, menos conhecimentos importantes terão
seus valores reconhecidos. É uma ótima tática de robotização da
juventude. Assim, ninguém incomoda os que dão as cartas.
Novitas – Rádios, programas de televisão, prêmios e gravadoras lançam
bandas e cantores basicamente para atender ao público teen, perdendo o
público adulto e que realmente consome cd´s e dvd´s para a internet e/ou
para o cenário independente. Fazendo uma projeção pessoal, a indústria
musical conseguirá manter esse cenário por quanto tempo?
Tico Santa Cruz – As gravadoras não tem mais qualquer influência
sobre o que a juventude esta consumindo. Na verdade, eles estão apenas
filtrando o que pode render algum lucro e apostando suas últimas fichas.
A internet passou a ser a plataforma principal, o que a meu ver é algo
positivo. O problema é que existe um paradoxo ainda sem solução a curto
prazo, porque ao mesmo tempo que se tem liberdade e uma super-produção
de material, o negócio fica extremamente diluído e raso. Observe o que
tem mais acesso na rede: piadas, vídeos engraçados, blogs de fofocas,
entretenimento sem compromisso com conhecimento. O entretenimento
precisa necessariamente ter compromisso com alguma mensagem ou algum
questionamento? Respondo: Absolutamente. Mas o problema é quando isso se
torna o único e sedutor caminho. Todo mundo virou piadista, Quem
oferece um conteúdo diferente, tem visivelmente menos espaços. É assim
na música também. O cenário já mudou e quando terminar de ler esta
entrevista, já terá mudado novamente. Temos que correr para nos
adaptarmos.
Novitas – Pessoas que apreciam o bom e velho Rock and Roll sabem que
algumas bandas equivocam-se quando se batizam como bandas de Rock. Você
acredita que essa tentativa de “mutação” do Rock acontece só no Brasil
ou em outros países, também?
Tico Santa Cruz – O Brasil sempre será como a Alegoria das Cavernas
de Platão (risos), porque o que vemos aqui é o reflexo, a cópia do que
esta fazendo sucesso lá fora. Essa infantilização do Rock é um percurso
que começou logo após o fim do Movimento Grunge, talvez o último que
tenha realmente alguma relevância em termos de estética como foi o Punk,
o HardRock, o Metal. Uma outra vertente veio em paralelo, já de forma
independente e que tem valor na cena, que são os “Indies”. Embora não
compartilhe do gosto musical deles, reconheço que conseguiram erguer uma
nova safra de bandas com algo interessante para movimentar. Mas o que a
massa consome é o que a TV e o Rádio disseminam, e estes estão
preocupados apenas com os lucros e a audiência. Dessa forma, até que
alguém desperte e perceba o mecanismo, muitos cérebros já terão sido
derretidos.
Novitas – A banda Detonautas Roque Clube é uma das que representam o
que existe de melhor no Rock Brasileiro, pois, além do instrumental e
voz fantásticos vocês nos brindam com músicas de letra relevante. Vocês
já receberam várias indicações e prêmios de destaque, durante toda essa
década de caminhada. Como é para vocês participar do Rock in Rio, se
transformando na primeira banda do cenário independente a tocar no palco
principal?
Tico Santa Cruz – O Detonautas é uma banda muito pouco conhecida em
seu conteúdo real. Isso é realmente intrigante, mas compreensível,
porque aprendi com Raul Seixas que se você quer entrar em buraco de
rato, de rato você tem que transar. Então, depois de perder a inocência
que é comum a todo artista que sonha em viver da sua musica, tocar no
Rádio e aparecer na TV, você fica um pouco confuso. Como manter a
qualidade e conseguir fazer o jogo deles, sem perder sua essência e
contaminar seus valores? No meio disso tudo, recebemos fortes
resistências após o segundo disco. Chegamos a ouvir de uma grande
emissora de rádio que nosso conteúdo era profundo demais para seus
ouvintes. Sinceramente? Além de perceber que esses homens tratam seus
ouvintes como idiotas, tenho certeza absoluta que minhas letras não são
tão eloquentes a ponto de obter tal rótulo. O negócio esta tão feio que
daqui a pouco “Quando o sol se for” que é uma canção adolescente, de uma
fase totalmente descompromissada com qualquer conteúdo mais profundo,
irá se tornar um clássico da poesia.
Estamos felizes com o Rock in Rio, porque comprova que não precisamos
puxar saco de ninguém e muito menos fazer politicagem para garantir
espaços importantes. Mas, se eu tivesse mendigado votos e iludido meus
fãs e seguidores com um amor fajuto, com certeza estaria num patamar
mais popular.
Não acredito nessas premiações, desde 2003 quando fomos eleitos
Revelação da MTV. Falo isso por experiência e conhecimento. Um dia
revelo tudo num livro bomba.
Novitas – Vocês lançaram a música AC/DC fazendo uma versão sobre a
música Back in Black, um clássico dos velhinhos AC/DC. Por que você acha
que gerou tanta polêmica esse fato, sendo que outras bandas já fizeram o
mesmo?
Tico Santa Cruz – Porque nós mexemos na ferida de quem esta ganhando
dinheiro com essa geração que criticamos. Quando você mexe no bolso de
alguém isso gera problemas e polêmicas.
Novitas – A música Combate está sendo um tremendo sucesso e fará
parte do novo CD de vocês. Mais músicas do próximo CD serão liberadas?
Tico Santa Cruz – Não estamos preocupados com o formato tradicional
dos CDs, vamos lançar uma musica por mês e isso fomentará o interesse
dos fãs a medida que o trabalho for se desenvolvendo. Os downloads serão
gratuitos, de forma que você poderá escolher seu playlist. No fim do
processo, montaremos então um disco e distribuiremos de graça nos shows,
faremos uma edição especial com um material um pouco mais trabalhado
para quem quiser comprar e ter como lembrança da banda.
Novitas – Muitos gostam de ligar a música ao ambiente histórico em
que ela surge. Assim, tivemos as músicas de protesto de Geraldo Vandré,
Chico Buarque e muitos outros que, durante a época da Ditadura Militar,
eram as vozes que eram destaque nas rádios. Hoje em dia não há ditadura
formal, mas sim uma espécie de imposição política de vontades. E, com
exceção da tua, por onde andam as vozes que deveriam cutucar as feridas
do povo, fazendo-o acordar?
Tico Santa Cruz – Existem, mas como disse, tem poucos espaços. Mv
Bill é um musico que consegue transcender as barreiras, Marcelo D2, O
Rappa, Charlie Brow Jr, Natiruts, são bandas que tem conteúdo político
em suas músicas. Talvez o discurso não chegue aos ouvidos da massa, mas
está lá. E dos anos 80 temos um monte de artistas que se manifestaram
tanto musicalmente quanto socialmente. Posso estar esquecendo outros
nomes importantes, mas da minha geração pra frente no mainstream,
desconheço quem meta a cara e esteja tratando desses assuntos sem rabo
preso.
Novitas – O Tico Santa Cruz pessoa física, também conhecido como
Luis Guilherme Brunetta Fontenelle de Araújo, já pensou em ingressar na
política e tentar mudar as coisas de dentro para fora?
Tico Santa Cruz – Preciso amadurecer e ter mais jogo de cintura para
conseguir me ver num cargo político. Política é uma arte, a arte de
saber falar e de se calar, para em outra vez soltar as palavras no
momento certo. Ainda estou num estágio que não sou capaz de ver algo e
me calar. Preciso aprender a agir com um pouco mais de cautela, tenho
consciência disso. Mas não viro as costas para política, mesmo que não
atue por um partido, estou atuando como cidadão. Procurem pelo
Voluntários da Pátria. Meu grupo de Ação política, social, cidadã que
leva literatura, música e debates sobre todos estes temas às escolas,
faculdades, presídios e outros lugares onde existam jovens interessados
em argumentar e questionar com conteúdo.
Novitas – Agradar gregos e troianos é sabidamente impossível, assim
como conviver pacificamente com ambos, pois as zonas neutras hoje são
chamadas simplesmente de muro. Acredita que há como equilibrar forças
políticas e fazer que nosso país avance para alguma direção, sem ficar
dando cabeçadas nas mesmices e suas regras já meio que fora de moda?
Tico Santa Cruz – Acredito que há momentos em que precisamos ser
radicais. Mas o radicalismo tem de ser inteligente. Não deve ser
gratuito e nem atingir pessoas, mas sim idéias. Não faço questão de
agradar injustos, nem de fazer tipo para parecer simpático. Tenho minhas
convicções, podem estar erradas, se perceber que estou equivocado sou
capaz de repensar e mudar minha postura, mas pra isso será necessário um
bom argumento que me faça refletir. É o que tento fazer, oferecer
outros argumentos, outras abordagens, mas não sou dono da verdade e nem
quero convencer ninguém, apenas tento deixar a pulga atrás da orelha.
Cada um encontrará seu caminho.
Novitas – A imobilidade brasileira atingiu o topo, onde errado é o
artista que convoca as pessoas para protestar. Disso, surgem as
agressões gratuitas, principalmente na internet. Como você se sente
quando isso acontece?
Tico Santa Cruz – Me sinto o idiota no país dos espertos.
* Essa entrevista foi relizada antes do Rock in Rio
http://revistasnovitas.com.br/2011/10/revista-cultural-n12-entrevista-tico-santa-cruz/
Nenhum comentário:
Postar um comentário