terça-feira, 11 de outubro de 2011

Revista Cultural N12 – Entrevista Tico Santa Cruz

Poucos artistas mantêm uma postura crítica diante dos abusos políticos dos quais sofre o brasileiro. Nesse universo, Tico Santa Cruz é a exceção, pois tem coragem de colocar a cara para bater com argumento inteligente, entendendo o quanto que nosso Brasil poderia ser melhor. Tico Santa Cruz é o
vocalista da banda Detonautas Roque Clube, uma banda de rock de verdade, que está na estrada há mais de uma década nos brindando com música de ótima qualidade. Leia a entrevista abaixo:

Novitas – Tico, a indústria musical de hoje, prefere o estilo fast food de música de fácil assimilação e que, principalmente, não acrescentam nada para quem ouve, sendo mais importante a aparência que a letra em si. Esse tipo de postura é pautado pela indústria musical ou pelo público que não se importa mais tanto com a qualidade musical?
Tico Santa Cruz – Podemos dizer que o comércio em geral é pautado pela política do consumo rápido e fácil. O ensino também se tornou “Fast Food” com escolas e universidades que pouco se importam com a formações dos jovens. Com a velocidade da informação e da produção de produtos em todos os setores, quem é que quer perder tempo com algo que precise de uma atenção mais concentrada? Quem quer se aprofundar e deixar de acompanhar as novidades que surgem a cada segundo? O que me assusta, com relação aos artistas, é que se antes existia um comprometimento com o que se produzia para poder vender, hoje se vende de qualquer maneira. Números, seguidores, curtições nas redes sociais são o que importa, o conteúdo ficou num plano qualquer.

Novitas – Banalização musical é um bom termo para qualificar a irrelevância de nosso cenário hoje em dia?
Tico Santa Cruz – Glamourização do nada. É cultuar qualquer coisa que se destaque sem se importar com o que esta sendo disseminado. Basta oferecer alguma pauta para sites e revistas de futricos e já se torna o suficiente para arrebanhar admiradores. Quanto mais coisa inútil ocupar os espaços nas vidas das pessoas, menos conhecimentos importantes terão seus valores reconhecidos. É uma ótima tática de robotização da juventude. Assim, ninguém incomoda os que dão as cartas.

Novitas – Rádios, programas de televisão, prêmios e gravadoras lançam bandas e cantores basicamente para atender ao público teen, perdendo o público adulto e que realmente consome cd´s e dvd´s para a internet e/ou para o cenário independente. Fazendo uma projeção pessoal, a indústria musical conseguirá manter esse cenário por quanto tempo?
Tico Santa Cruz – As gravadoras não tem mais qualquer influência sobre o que a juventude esta consumindo. Na verdade, eles estão apenas filtrando o que pode render algum lucro e apostando suas últimas fichas. A internet passou a ser a plataforma principal, o que a meu ver é algo positivo. O problema é que existe um paradoxo ainda sem solução a curto prazo, porque ao mesmo tempo que se tem liberdade e uma super-produção de material, o negócio fica extremamente diluído e raso. Observe o que tem mais acesso na rede: piadas, vídeos engraçados, blogs de fofocas, entretenimento sem compromisso com conhecimento. O entretenimento precisa necessariamente ter compromisso com alguma mensagem ou algum questionamento? Respondo: Absolutamente. Mas o problema é quando isso se torna o único e sedutor caminho. Todo mundo virou piadista, Quem oferece um conteúdo diferente, tem visivelmente menos espaços. É assim na música também. O cenário já mudou e quando terminar de ler esta entrevista, já terá mudado novamente. Temos que correr para nos adaptarmos.

Novitas – Pessoas que apreciam o bom e velho Rock and Roll sabem que algumas bandas equivocam-se quando se batizam como bandas de Rock. Você acredita que essa tentativa de “mutação” do Rock acontece só no Brasil ou em outros países, também?
Tico Santa Cruz – O Brasil sempre será como a Alegoria das Cavernas de Platão (risos), porque o que vemos aqui é o reflexo, a cópia do que esta fazendo sucesso lá fora. Essa infantilização do Rock é um percurso que começou logo após o fim do Movimento Grunge, talvez o último que tenha realmente alguma relevância em termos de estética como foi o Punk, o HardRock, o Metal. Uma outra vertente veio em paralelo, já de forma independente e que tem valor na cena, que são os “Indies”. Embora não compartilhe do gosto musical deles, reconheço que conseguiram erguer uma nova safra de bandas com algo interessante para movimentar. Mas o que a massa consome é o que a TV e o Rádio disseminam, e estes estão preocupados apenas com os lucros e a audiência. Dessa forma, até que alguém desperte e perceba o mecanismo, muitos cérebros já terão sido derretidos.

Novitas – A banda Detonautas Roque Clube é uma das que representam o que existe de melhor no Rock Brasileiro, pois, além do instrumental e voz fantásticos vocês nos brindam com músicas de letra relevante. Vocês já receberam várias indicações e prêmios de destaque, durante toda essa década de caminhada. Como é para vocês participar do Rock in Rio, se transformando na primeira banda do cenário independente a tocar no palco principal?
Tico Santa Cruz – O Detonautas é uma banda muito pouco conhecida em seu conteúdo real. Isso é realmente intrigante, mas compreensível, porque aprendi com Raul Seixas que se você quer entrar em buraco de rato, de rato você tem que transar. Então, depois de perder a inocência que é comum a todo artista que sonha em viver da sua musica, tocar no Rádio e aparecer na TV, você fica um pouco confuso. Como manter a qualidade e conseguir fazer o jogo deles, sem perder sua essência e contaminar seus valores? No meio disso tudo, recebemos fortes resistências após o segundo disco. Chegamos a ouvir de uma grande emissora de rádio que nosso conteúdo era profundo demais para seus ouvintes. Sinceramente? Além de perceber que esses homens tratam seus ouvintes como idiotas, tenho certeza absoluta que minhas letras não são tão eloquentes a ponto de obter tal rótulo. O negócio esta tão feio que daqui a pouco “Quando o sol se for” que é uma canção adolescente, de uma fase totalmente descompromissada com qualquer conteúdo mais profundo, irá se tornar um clássico da poesia.
Estamos felizes com o Rock in Rio, porque comprova que não precisamos puxar saco de ninguém e muito menos fazer politicagem para garantir espaços importantes. Mas, se eu tivesse mendigado votos e iludido meus fãs e seguidores com um amor fajuto, com certeza estaria num patamar mais popular.
Não acredito nessas premiações, desde 2003 quando fomos eleitos Revelação da MTV. Falo isso por experiência e conhecimento. Um dia revelo tudo num livro bomba.

Novitas – Vocês lançaram a música AC/DC fazendo uma versão sobre a música Back in Black, um clássico dos velhinhos AC/DC. Por que você acha que gerou tanta polêmica esse fato, sendo que outras bandas já fizeram o mesmo?
Tico Santa Cruz – Porque nós mexemos na ferida de quem esta ganhando dinheiro com essa geração que criticamos. Quando você mexe no bolso de alguém isso gera problemas e polêmicas.

Novitas – A música Combate está sendo um tremendo sucesso e fará parte do novo CD de vocês. Mais músicas do próximo CD serão liberadas?
Tico Santa Cruz – Não estamos preocupados com o formato tradicional dos CDs, vamos lançar uma musica por mês e isso fomentará o interesse dos fãs a medida que o trabalho for se desenvolvendo. Os downloads serão gratuitos, de forma que você poderá escolher seu playlist. No fim do processo, montaremos então um disco e distribuiremos de graça nos shows, faremos uma edição especial com um material um pouco mais trabalhado para quem quiser comprar e ter como lembrança da banda.

Novitas – Muitos gostam de ligar a música ao ambiente histórico em que ela surge. Assim, tivemos as músicas de protesto de Geraldo Vandré, Chico Buarque e muitos outros que, durante a época da Ditadura Militar, eram as vozes que eram destaque nas rádios. Hoje em dia não há ditadura formal, mas sim uma espécie de imposição política de vontades. E, com exceção da tua, por onde andam as vozes que deveriam cutucar as feridas do povo, fazendo-o acordar?
Tico Santa Cruz – Existem, mas como disse, tem poucos espaços. Mv Bill é um musico que consegue transcender as barreiras, Marcelo D2, O Rappa, Charlie Brow Jr, Natiruts, são bandas que tem conteúdo político em suas músicas. Talvez o discurso não chegue aos ouvidos da massa, mas está lá. E dos anos 80 temos um monte de artistas que se manifestaram tanto musicalmente quanto socialmente. Posso estar esquecendo outros nomes importantes, mas da minha geração pra frente no mainstream, desconheço quem meta a cara e esteja tratando desses assuntos sem rabo preso.

Novitas – O Tico Santa Cruz pessoa física, também conhecido como Luis Guilherme Brunetta Fontenelle de Araújo, já pensou em ingressar na política e tentar mudar as coisas de dentro para fora?
Tico Santa Cruz – Preciso amadurecer e ter mais jogo de cintura para conseguir me ver num cargo político. Política é uma arte, a arte de saber falar e de se calar, para em outra vez soltar as palavras no momento certo. Ainda estou num estágio que não sou capaz de ver algo e me calar. Preciso aprender a agir com um pouco mais de cautela, tenho consciência disso. Mas não viro as costas para política, mesmo que não atue por um partido, estou atuando como cidadão. Procurem pelo Voluntários da Pátria. Meu grupo de Ação política, social, cidadã que leva literatura, música e debates sobre todos estes temas às escolas, faculdades, presídios e outros lugares onde existam jovens interessados em argumentar e questionar com conteúdo.

Novitas – Agradar gregos e troianos é sabidamente impossível, assim como conviver pacificamente com ambos, pois as zonas neutras hoje são chamadas simplesmente de muro. Acredita que há como equilibrar forças políticas e fazer que nosso país avance para alguma direção, sem ficar dando cabeçadas nas mesmices e suas regras já meio que fora de moda?
 Tico Santa Cruz – Acredito que há momentos em que precisamos ser radicais. Mas o radicalismo tem de ser inteligente. Não deve ser gratuito e nem atingir pessoas, mas sim idéias. Não faço questão de agradar injustos, nem de fazer tipo para parecer simpático. Tenho minhas convicções, podem estar erradas, se perceber que estou equivocado sou capaz de repensar e mudar minha postura, mas pra isso será necessário um bom argumento que me faça refletir. É o que tento fazer, oferecer outros argumentos, outras abordagens, mas não sou dono da verdade e nem quero convencer ninguém, apenas tento deixar a pulga atrás da orelha. Cada um encontrará seu caminho.

Novitas – A imobilidade brasileira atingiu o topo, onde errado é o artista que convoca as pessoas para protestar. Disso, surgem as agressões gratuitas, principalmente na internet. Como você se sente quando isso acontece?
Tico Santa Cruz – Me sinto o idiota no país dos espertos.

* Essa entrevista foi relizada antes do Rock in Rio

http://revistasnovitas.com.br/2011/10/revista-cultural-n12-entrevista-tico-santa-cruz/

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